Álgida – “Vazio” (CD-EP, 5 trk, 2008 edição de autor) “Pela auto-gestão e a produção independente, não à indústria!” Estas palavras retiradas da fanzine/manifesto dos Álgida, servem, de facto, de mote a toda a concepção que preside à elaboração do presente registo. Assim, a primeira coisa que chama a atenção nesta singular edição, é a importância e cuidado dados à embalagem que, mais do que se limitar a envolver o suporte sonoro, contribui, também ela, para o envolvimento nas ambiências e atmosferas transpiradas pelas canções incluídas no registro, ao mesmo tempo que, por si só, é portadora de um simbolismo e imaginário muito próprios. É notável uma aproximação à estética das capas e grafismos a uma edição em vinil (consciente ou não, mas notória), lembrando as edições “gatefold”, ao mesmo tempo que prima por uma simplicidade (num sentido de “less is more”, entenda-se) que vai desde a escolha dos materiais (tipos de papel da capa e do “booklet”), tonalidades e contrastes de cores e escolha do design de todo o “artwork”, inclusive do cd em si mesmo, criando uma imagem global de independência e militância que são verdadeiramente refrescantes nesta era sobrepovoada de imagens e cibernismos gráficos e excessos visuais. Mais ainda, e retomando uma tradição que se vai tornando cada vez mais rara (se é que não é caso único nestes tempos que correm), o disco vem acompanhado da referida fanzine, policopiada (como uma verdadeira fanzine se quer!!!), onde se podem encontrar textos/poemas/letras não só dos temas que compõem este trabalho mas, também, outros (quisá de outras composições) que melhor permitem o enquadramento do universo político-sonoro da realidade em que se movimentam. Aqui, extravazam o seu universo pessoal tornado colectivo no concretizar do projecto, incluindo criações de outros autores/poetas/pensadores que se movem noutros universos afins e paralelos (relevo para Augusto dos Anjos – pois…. por cá andamos demasiado perdidos e baralhados com a Inconfidência Mineira para sabermos quem é esse ilustre desconhecido… – bem como para os Legião Urbana, Fernando Pessoa, etc., etc.), além de informações referentes à banda e de desenhos/ilustrações (que, mais uma vez, não se limitam apenas aos elementos da banda) que em tudo contribuem para tornar mais vivo o quando por onde se movem as palavras e se suspiram os pensamentos… Mas passemos ao registo propriamente dito. Em formato EP, apresenta 5 faixas que criam um todo coerente quer a nìvel lírico quer a nível sonoro. Movendo-se por entre sonoridades que remetem à estética do Pós-Punk, pincelam as suas composições com cores sóbrias mas plenas de tonalidades frias (daí que a escolha do nome Álgida para o colectivo faça todo o sentido) mas intensas, ao mesmo tempo que perfilham o romantismo do inalcansável, a saudade do impossível e a sombriedade (por vezes lúgubre) do desespero existencial. Se uns Joy Division (entre outros) poderão aparecer como referência sonoro-estética, as composições primam pela originalidade, bem como pelo bom gosto dos arranjos, distanciando-se de lugares comuns que, muitas vezes, são recorrentes em projectos de âmbito similar. Da desilusão analisada com um distanciamento que a racionaliza e torna aceitável a resignação (ao mesmo tempo que não se desacredita a utopia da beleza e o sonho de melhores dias), que se vive em “Flores do Mundo” (tema que abre o disco), até ao conformismo com o Destino gélido tecido pelas Parcas, que nos força a procurar sentido num materialismo entorpecedor, gritado n'”A Palavra” (tema que o encerra), percorrem-se caminhos pelo lado obscuro da Alma, indaga-se sobe o cinismo de deuses de humor doentio, que criam o mal apenas para torturar os seus criandos, no eufemismo da angústia do “livre-arbítrio”, em “Tiresia”, caminha-se pelo fio de uma dualidade maniqueísta de escolhas impostas pelos (in)sucessos vividos, onde que qualquer opção se apresenta como tormenta fatal (“Vazio”), e vive-se intensamente um desinteresse pela fatalidade, ao mesmo tempo que se espera o milagre que nos tire do torpor e queime o sangue com vida nova (“Frio”)… Em resumo, um disco que queima como só o gelo o faz, que não deixa o ouvinte indiferente (ou se gosta ou não! Não há meio termo!) e que, pese embora a soturnidade, é inebriante, viciante e exala uma energia que só a adrenalina de quem tentou rasgar os limites (“Break on through to the other side”…) pode extrapolar para composições rudes mas belas na sua simplicidade crua e directa, sem meias palavras!… Uma auspiciosa estréia que faz ansiar por um longa duração!
Bah! Chorei quando li isso… tem coisas que nem eu não tinha concluído sobre nós mesmos… Um tardio agradecimento a Paulo Martins da ótima ARCHÉTYPO 120…
Por Anderson – baixista da Álgida